Ele acordou por volta das nove e meia
da manhã, espreguiçou-se e andou em direção ao chuveiro. Tomou aquela
bela ducha. Sua filha já estava acordada. Por meia hora brincou com a menina,
deu longos abraços e beijos demorados. E, enfim, despediu-se:
- Tchau, amor! Papai vai trabalhar!
- Bom trabalho, Papai. Até mais
tarde!, responde carinhosamente a filha com um sorriso no rosto.
Ele também acordou, mas antes, por
volta das sete e meia. Tomou banho de canequinha. Pois o chuveiro estava
queimado. O filhão, já acordado, brincava com uns bonequinhos doados pela
patroa da mamãe. Ele, por longos minutos, brincou, sorriu, abraçou e beijou o
menino. Depois despediu-se:
- Tá, até mais tarde, Pai!, sério e
com um imenso respeito.
Ele, pai dela, policial. Ele, pai do
menino, ladrão. Cada um segue o seu caminho. Há um dito popular que diz: “Todos
os dias acorda um burro e um esperto. Durante o dia eles vão se encontrar e vai
dar negócio.” Sim, ao fim do dia eles iriam se encontrar, pela primeira e
última vez.
Ele, pai da menina, deixou o
condomínio fechado, deu “bom dia” ao porteiro e seguiu para o trabalho. Ele,
pai do menino, desceu o beco, dando “bom dia” a todas as vizinhas e seguiu rumo
à estratégia de mais um assalto.
O pai do menino encontra-se com
outros dois parceiros de “fita”. O plano é assaltar uma casa, na Rua Alegria no
Tremembé. Durante o dia, estão em casa apenas uma senhora que, por motivos
patológicos fica em repouso absoluto na cama, uma enfermeira que cuida dela e a
empregada doméstica.
Os três invadem a casa, fazem as três
de reféns, tudo parece sobre controle. Joias, dinheiro, peças valiosas, tudo
possível é colocado em algumas malas. Mas um vizinho vê uma movimentação estranha
e aciona a polícia.
O policial, pai da menina, estava em ronda nas proximidades. Ao ser
comunicado do assalto, chega rapidamente ao local. Seu parceiro aguarda no
carro e solicita reforços A fração de segundos em que o policial observa o
ladrão e tomada por um silêncio ensurdecedor. O policial estuda qual ação tomar
e o ladrão observa se reagiria com algum contra-ataque ao
policial. O silêncio que durou alguns segundos, mas para ambos passaram
toda uma vida.
Sim, o silêncio dá lugar aos
gritantes e horríveis barulhos de tiros. Vários deles, dos três contra os dois.
Dos dois contra os três. Mas duas balas encontraram o mesmo caminho em corpos
diferentes. Uma repousou na testa do policial, a outra, furou a toca do ladrão.
Dois pais de família com os corpos
estendidos no chão. Mais dois filhos órfãos. Um integrante do órgão repressor a
menos. E um bandido a menos no país. Tudo isso por causa do mundo das
oportunidades inoportunas. Sim, o mundo das possibilidades não tão possíveis
assim. Um mundo contraditório, onde as pessoas, no fundo, não têm culpa de ser
o bandido ou o herói. Ou do herói ser bandido às vezes e o bandido ser o herói
outras tantas.
Triste será para as novas viúvas
responderem aos filhos:
- Cadê o papai?
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