sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Celebridade não!


Segunda-feira em São Paulo. O vento forte traz a sensação de molhar o corpo ao tocá-lo. É o clima da noite paulistana. Chego ao terminal rodoviário com 1 hora e meia de antecedência. Sim, eu teria que ter paciência e ver os minutos pingando vagarosamente.

Ao transitar pelo saguão, o som de piano e uma bela voz chamaram minha atenção como se cada toque e palavra pronunciada fizessem um feitiço em mim. Segui aquele som. Uma mulher com cara de menina tocava o piano com maestria. Era possível sentir cada dedo que tocava em teclas. O piano dela cantava. Cada vez que uma nota era composta, os olhos eram convidados a fecharem-se e o corpo sentia a música. Era uma menina mulher que, na verdade, era um monstro no piano.

O Senhor que cantava era negro, magro e baixo. Mas sua voz era gigante. Cantava cada letra, não deixava passar uma. Ao cantar Ray Charles era um rei. Ao cantar Imagine, dos The Beatles, era possível imaginar John Lennon o admirando. Cantava como ninguém. Era uma bela dupla que por quase uma hora antederam pedidos, foram aplaudidos e filmados. E, no fim, estavam ali por acaso. Um não conhecia o outro. E ninguém soube o nome deles.

Foram famosos sem ter nomes. Mas cantaram e encantaram todos que passavam rumo a algum lugar. Ao fim da belíssima apresentação, um grande amigo que me acompanharia a uma viagem para o lançamento do meu primeiro livro indagou-me a questão. Será que eles não são frustrados por não serem famosos?
Inegavelmente, tinham talento absurdo, tão absurdo que ao ver certas celebridades, era impossível não ficar indignado. Mas o sorriso da menina ao tocar e a satisfação nítida naquele sorriso branco que se ressaltava ao contraste da pele negra, fizeram-me replicar a pergunta: Será que a fama os fariam cantar e tocar com tanto gosto?

Questões jogadas ao vento e certamente sem resposta.

Chegado o horário da viagem e esses pensamentos dominariam as seis horas e meia de viagem que ocorreu durante a madrugada. Não dormi um segundo sequer. Não deixei de sonhar um milésimo. Com um lançamento cheio de pessoas, vários autógrafos, algumas entrevistas. E a fama.

Três dias se passaram, o lançamento do livro foi bem legal. Sim, demos uma entrevista, mas eu tenho agonia e odeio me ver na televisão. Poucas pessoas compareceram ao lançamento. No dia seguinte andei tranquilamente pela Avenida Atlântica, em Copacabana. Caminhei à beira-mar por toda praia de Copacabana com conversas irreveláveis com um grande amigo. Dei risadas intermináveis com outro amigo que é disparado um irmão. E a fama não me fez falta.

Na verdade, como os dois artistas do saguão da rodoviária, eu só quero ser feliz. Quero que alguém leia meus textos. E apenas lembre-se do meu texto, não do meu nome. Pois ser celebridade, não.  Apenas um escritor.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Carta ao Vovô

Qualquer lugar, algum dia de agosto de um ano triste.

Vovô,

Como estão as coisas por aí? Infelizmente esta é um tipo de pergunta que nunca vou ter a resposta. Mas posso dizer com toda a certeza que aqui as coisas não estão fáceis. Faz poucos dias que o Senhor partiu e a presença de sua ausência em cada parte da casa, da vida e de mim é algo inexplicável.

Outra coisa que tem incomodado muito as pessoas por aqui é a vontade de ter dito tantas coisas que sentiam pelo Senhor e não foram ditas. Eu sou um deles, você preenche tantos cargos na minha vida como o de herói, exemplo, pai, amigo, parceiro, autoridade, vovô, avô, Vô Chico. E eu nunca te disse isso. Mas, agora, digo que sua ida não deixou apenas um vazio em mim. Criou um abismo. Só que ao cair nesse buraco só tenho boas lembranças, as lágrimas misturam-se e,ora ou outra, dão lugar aos sorrisos!

Mamãe disse que o médico falou que o Senhor estava fraco e aos poucos seu corpo estava parando, mas mesmo assim lutou até o último instante para respirar. Como sempre fez. Como sempre fez a gente respirar, pois foi o nosso ar. E em meio à madrugada, o “Tum tum” lusitano do Senhor não tocaria mais fado. O nosso também ficou em silêncio! Aí, o Senhor, mesmo português, resolveu sair à francesa. Foi ao médico e não voltou!

A princípio minha vontade era “sair na mão” com Deus. Depois me senti egoísta, pois qualquer um no mundo escolheria sua companhia. E tive o privilégio de te conhecer, viver com você e ser seu descendente. FranciscoBarreto Quintal, a pessoa que mais respeitei na vida!

Tenho recebido muitos conselhos e carinho de diversos amigos, que conquistei graças ao caráter que o Senhor educou. Impossível não chorar, não ficar triste, não sentir saudade, mesmo seguindo todos os conselhos e recebendo todo o carinho do pessoal. Talvez tenha que esperar o tempo, não para cicatrizar uma ferida, pois o senhor era um coração a mais que batia no meu peito, que parou junto com o seu e começou a doer. O tempo deve fazer  parar de doer, ficar quietinho e te guardar para sempre!

O que você mais queria era ver a sua família bem e em paz. Peço desculpas pelas lágrimas que não param de escorrer. Mas é só o amor escorrendo por quem nos ensinou a viver. Sou grato a você, pois cuidou de mim como criança, repreendeu-me como adolescente e conversou comigo como homem. E tudo do mesmo jeito na ordem contraria. Obrigado!

Tentei por várias vezes escrever um poema para o Senhor e nunca consegui terminar. Talvez as palavras existentes sejam escassas para transmitir o que sinto, mas até onde cheguei era assim:

“Quantas vezes eu fiquei só observando,
Você subindo a escada, com passos mansos,
De quem a vida já teve passos firmes,
De quem da vida carrega uma história.

E quantas vezes diante de ti,
Tive que calar a voz, fazer reverências,
Tomar a benção,
“Com apenas um lamento, queria que fossem eternos esses momentos.”

Serão eternos, não fisicamente, mas aqui dentro. Ah, hoje teve feijoada, e tive a honra e a dor de sentar no seu lugar à mesa, na sua almofada e tudo! Sim,lembra: “Sou o homem da casa”. Mas, confesso, que a falta dos seus olhos verdes olhando-me comer deixaram a comida sem gosto.

A Vovó tá com saudade, mas vamos cuidar bem dela. A sua família seguirá a vida lutando com honra, dignidade e caráter como você deixou o legado.

Saudade e a vontade de falar com você vai ser o que mais vai acontecer daqui para frente. Aí, volto a escrever!

            Meu amor nunca teve tanto respeito por alguém! Fica bem, Vô...

Que nós seguiremos do bem como você ensinou!

Vô Chico, a saudade sempre será grande e o amor eterno.

Benção?

Do seu Neto, Danilo Quintal