quarta-feira, 17 de abril de 2013

Barulhos da meia-noite

A lua passa do centro do céu, a escuridão toma conta da cozinha e torna tudo invisível. O vento forte faz os degraus da escada de madeira cantar e as notas agudas dão uma melodia pavorosa ao lugar. E às vezes, o vento se cala e o silêncio que domina o ambiente é ensurdecedor.         
De repente, a madeira da escada urge algumas vezes. Dessa vez, não pelo vento. E sim por um barulho firme intercalado pelo silêncio e de forma crescente a maneira que se aproxima da cozinha. E tão eficaz como aparece, desaparece, em um abrir de olhos. Aquele som em ritmo de marcha fúnebre que se esparrama sobre a escada e se perde ao tocar o piso da sala.
            Ao lado da cozinha uma sombra agacha ao ouvir o som que vem da escada. E um vulto adentra o cômodo dos comes e bebes rumo à mesa central. A essa altura, o medo já vira desespero. E algo mexe sutilmente e ao mesmo tempo de forma macabra dentro da cozinha. Enquanto isso na porta do banheiro, a sombra comprime-se feito bolinha de papel e sussurra preces ao mesmo estilo que se reza um terço. Em questão de segundos o vulto sobrevoa a mesa de jantar. E não satisfeito em assombrar resolve tocar as tampas e vasilhas. Aqueles metais e plásticos formam um soneto melancólico ao ouvidos.
            A sombra perto do banheiro assusta-se e da de encontro à parede. O vulto da cozinha recolhe-se rapidamente para baixo da mesa em posição defensiva. E por um longo minuto nada mexe, nenhum barulho acontece. O cenário fica totalmente tedioso e aparentemente normal.
            O silêncio machuca os ouvidos por mais alguns segundos até que o vulto da cozinha sente-se sozinho e torna-se corajoso, caminha em direção ao lado direita da mesa. A sombra encosta-se à porta do banheiro e contenta-se a ouvir os rangidos do ambiente.
            Um jato de luz capaz de cegar qualquer olho aparece dentro da cozinha em forma de quadrado gigante que diminui algumas vezes na vertical, ora e outra, é coberta inteiramente por um vulto e depois se fecha totalmente. Algumas coisas balançam dentro daquele quadro que apenas agora era um escuro mais claro. A sombra imagina ser um portal para outro mundo que abre para levar o vulto embora.
            Com a coragem recuperada a sombra cresce e parece ficar em pé. O vulto da cozinha novamente pula para baixo da mesa, mas dessa vez, com tanto cuidado que parece um fio de linha de algodão ao tocar o chão. E observa atentamente a sombra. Parece um gigante, com algo retangular em mãos, navalhas talvez, que ora estão todas juntas e em outros momentos são um leque.
O pé do vulto da cozinha salva a própria mente de ficar ainda mais apavorada com aquela terrível sombra do banheiro. Que ao escutar o impacto da batida no pé da mesa volta a ficar pequena e retraída. Ambas as assombrações percebem a presença um do outro. Por instantes resolvem se esconder na própria insignificância. Isso não dura muito e um combate de movimentos movido pelo medo começa. A sombra do banheiro tenta engatinhar sentido aos quartos e é interrompida pela tentativa do vulto da cozinha em rolar para trás da parede. E os movimentos assim se dão mais pelo pavor e vontade de se esconder, do que da coragem de descobrir o que acontecia ali.
A lua mal muda de posição e o escuro não torna mais tudo invisível, pois a imaginação naquela ambiente é fértil e avista cores e formas em tudo. Duendes, fantasmas, aberrações, espíritos e tudo de mais tenebroso estão presente na casa. Após um jogo feroz e acirrado de movimentos, sombra e vulto ficam de frente, touro e o toureiro e vice-versa. Ciscam os pés e abanam a bandeira partem os dois juntos em direção à pilastra ao lado e, por apenas mais alguns milésimos de segundos a escuridão é vista.
- Pai!
- Filho!

Seu Alfredo de regime tentava assaltar a geladeira enquanto Matheuzinho ia ao banheiro com uma revista de garotas nuas em mãos.