A
lua passa do centro do céu, a escuridão toma conta da cozinha e torna tudo
invisível. O vento forte faz os degraus da escada de madeira cantar e as notas
agudas dão uma melodia pavorosa ao lugar. E às vezes, o vento se cala e o
silêncio que domina o ambiente é ensurdecedor.
De
repente, a madeira da escada urge algumas vezes. Dessa vez, não pelo vento. E
sim por um barulho firme intercalado pelo silêncio e de forma crescente a
maneira que se aproxima da cozinha. E tão eficaz como aparece, desaparece, em
um abrir de olhos. Aquele som em ritmo de marcha fúnebre que se esparrama sobre
a escada e se perde ao tocar o piso da sala.
Ao lado da cozinha uma sombra agacha
ao ouvir o som que vem da escada. E um vulto adentra o cômodo dos comes e bebes
rumo à mesa central. A essa altura, o medo já vira desespero. E algo mexe
sutilmente e ao mesmo tempo de forma macabra dentro da cozinha. Enquanto isso
na porta do banheiro, a sombra comprime-se feito bolinha de papel e sussurra
preces ao mesmo estilo que se reza um terço. Em questão de segundos o vulto
sobrevoa a mesa de jantar. E não satisfeito em assombrar resolve tocar as
tampas e vasilhas. Aqueles metais e plásticos formam um soneto melancólico ao
ouvidos.
A sombra perto do banheiro assusta-se
e da de encontro à parede. O vulto da cozinha recolhe-se rapidamente para baixo
da mesa em posição defensiva. E por um longo minuto nada mexe, nenhum barulho
acontece. O cenário fica totalmente tedioso e aparentemente normal.
O silêncio machuca os ouvidos por
mais alguns segundos até que o vulto da cozinha sente-se sozinho e torna-se
corajoso, caminha em direção ao lado direita da mesa. A sombra encosta-se à porta
do banheiro e contenta-se a ouvir os rangidos do ambiente.
Um jato de luz capaz de cegar
qualquer olho aparece dentro da cozinha em forma de quadrado gigante que
diminui algumas vezes na vertical, ora e outra, é coberta inteiramente por um
vulto e depois se fecha totalmente. Algumas coisas balançam dentro daquele
quadro que apenas agora era um escuro mais claro. A sombra imagina ser um
portal para outro mundo que abre para levar o vulto embora.
Com a coragem recuperada a sombra
cresce e parece ficar em pé. O vulto da cozinha novamente pula para baixo da
mesa, mas dessa vez, com tanto cuidado que parece um fio de linha de algodão ao
tocar o chão. E observa atentamente a sombra. Parece um gigante, com algo
retangular em mãos, navalhas talvez, que ora estão todas juntas e em outros
momentos são um leque.
O
pé do vulto da cozinha salva a própria mente de ficar ainda mais apavorada com
aquela terrível sombra do banheiro. Que ao escutar o impacto da batida no pé da
mesa volta a ficar pequena e retraída. Ambas as assombrações percebem a
presença um do outro. Por instantes resolvem se esconder na própria
insignificância. Isso não dura muito e um combate de movimentos movido pelo
medo começa. A sombra do banheiro tenta engatinhar sentido aos quartos e é
interrompida pela tentativa do vulto da cozinha em rolar para trás da parede. E
os movimentos assim se dão mais pelo pavor e vontade de se esconder, do que da
coragem de descobrir o que acontecia ali.
A
lua mal muda de posição e o escuro não torna mais tudo invisível, pois a
imaginação naquela ambiente é fértil e avista cores e formas em tudo. Duendes,
fantasmas, aberrações, espíritos e tudo de mais tenebroso estão presente na
casa. Após um jogo feroz e acirrado de movimentos, sombra e vulto ficam de
frente, touro e o toureiro e vice-versa. Ciscam os pés e abanam a bandeira partem
os dois juntos em direção à pilastra ao lado e, por apenas mais alguns
milésimos de segundos a escuridão é vista.
-
Pai!
-
Filho!
Seu
Alfredo de regime tentava assaltar a geladeira enquanto Matheuzinho ia ao
banheiro com uma revista de garotas nuas em mãos.
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