quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Há a morte e há vida!

 Por Danilo Quintal

Doze dias, doze noites e doze anos. Tudo resumido em menos de vinte e quatro horas. Doze dias atrás, meu pai dava entrada ao pronto socorro, em um hospital público na zona norte de São Paulo, com um quadro gravíssimo de diabetes e o fígado debilitado. Ambos ocasionados pelo álcool. Uma escolha que sempre respeitei, embora, na maioria das vezes, tenha prejudicado não somente ele, mas todos em sua volta.

Durante esses doze dias fui visitá-lo em todos. Primeiro dia, ao entrar na sala do pronto socorro, em alguns meses sem vê-lo, tive um choque com o estado deplorável que estava. Fiquei tão impressionado que as lágrimas que escorriam por dentro secaram antes que rolasse pelo rosto, tal era o frio que sentia minha alma.

Um senhor magro, ou melhor, pele e osso, com olhos amarelos, dentes amarelados, barbudo, sem força para pronunciar uma palavra, ir ao banheiro, levantar a mão para pegar um copo d’água. Sem força para viver...

Dia após dia, cada segundo, refeição, banho e troca de fralda era uma vitória. É como se afastássemos a morte de perto. Era também um martírio, como se cada gole de pinga com coca, rabo de galo, fosse retirado do seu fígado com uma pinça.

Mesmo com todo esse estado, “meu velho”  não sentiu nem sequer por um segundo dor. Passou todos esses dias, nessa situação, sem sentir uma pontada ou um beliscão de agulha. Absolutamente nada.

Tudo se resume em quase nada

Domingo, dia 11 de novembro de 2011, os relógios da Freguesia do Ó badalam às 18 horas. Passo a catraca da área de visitantes do hospital e subo ao terceiro andar onde está internado meu pai e ajudo as enfermeiras a servir o jantar a ele. No quarto, estão mais três paciente.

Ao lado direito do meu pai está o senhor Julio que apenas abre os olhos verdes e pronuncia apenas uma palavra: “Casa! Casa! Casa” seguidas vezes sem cessar.  À frente do meu pai está um senhor bem lúcido chamado José. Apesar da lucidez, o braço esquerdo é inútil, não se move para nada, e a pronuncia da fala está um pouco debilitada, não sei o certo qual é o quadro, meu pai diz que é mal de chagas, a doença do mosquito “barbeiro”.

Ao lado do José, está o senhor João, totalmente debilitado por varias doenças como câncer, diabetes e, para piorar, ele caiu ao se levantar da cama e fraturou o fêmur. Seus olhos já não abrem para luz do dia. Mas as pronuncias dos lábios são muitas, em especial três nomes. Com uma voz autoritária, como ordenar-se a presença, grita várias vezes ao dia: “Dolores! Dolores! Cadê você, Dolores?”

Quando alguém se aproxima, e é do sexo masculino, com uma voz doce e de admiração ele fala: “Gustavo! Gustavo, eu estava te esperando!”  E outras poucas vezes ele pede: “Julia, Julia, me tire daqui!”

Fiquei imaginando quem fosse cada um, até criei a fisionomia deles. E, de repente,o senhor se cala. Meu pai termina de comer, ajudo-o a ir ao banheiro. Ele deita-se novamente. Aguardo um pouco para ver se ele dorme. Um silêncio reina em absoluto no quarto, enganosamente por quinze segundos, uma introdução, para uma oração...

Senhor João começa a gritar: “Me leva, Jesus. Ó, pai, me leva!”

E emenda uma oração cristã: “Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiei. E acendei neles o fogo...”

E assim, sucessivamente, implorava para o Deus da sua fé levá-lo. O senhor ali, jogado na cama, parecia tão inútil, abandonado, que não podia, ao menos, morrer sozinho. Precisava de ajuda para morrer. E aos sons de gritos religiosamente de apelos à morte, eu me despeço do meu pai e vou embora.

No dia seguinte, ao chegar ao hospital, por volta das 8 horas, meu pai está de alta. Um pouco debilitado ainda, mas com uma grande e visível melhora no estado em geral. Pergunto como foi durante a noite e ele começa a gargalhar, dizendo que o senhor João rezou o “Credo” a noite inteira e após cada oração dizia: “Eu estou indo quem quer vir comigo?”

Meu pai, já com o humor irônico de toda vida, respondia: “Vá em paz, seu João... Pretendo ficar aqui ainda!”  E mais risos.

Essas poucas e últimas horas do meu pai na internação relatam a luta pela vida, de tantos e milhares de seres humanos, e a luta pela morte, de seres que por conseqüência da vida não podem nem ao menos morrer.

Foram doze dias, doze noites, que ao fim valeram para eu poder ter, doze anos depois que meu pai separou da minha mãe, momentos de pai e filho. Conversas bobas, compartilhamentos de segredos, compartilhamentos de aventuras.

E para quem acredita em numerologia, o que realmente não é o meu caso, o meu dia acaba às doze horas do dia 12 de dezembro. Ao meio dia, meu pai adentra sua casa após os doze dias, me oferece algo para comer e, conversa vai e conversa vem, descubro que minha adoração por pimenta vem dele. E, de quebra, me ensina a receita de uma pimentinha caseira que o meu avô fazia. Receita familiar gravada, herança que prossegui. De fundo, o som “Corazon Partio” de Alejandro Sanz, nem sei dizer se a música é boa, mas sempre que ouvir terei boas lembranças. E dali ao restante do dia não importava mais nada que acontecera

Esperei doze anos, por um momento de pai e filho. E o que me proporcionou esse momento de vida forem dias de quase morte. Há morte e há vida.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O pirulito premiado


Mais uma vez a violência venceu o sonho. Mais uma vez um caminho é interrompido pela agressão. E para vocês que pensam que um sujeito matou outro, não é nada disso. Pois a pior agressão não é aquela que mata, mas a que acaba com um ciclo precocemente e havendo ainda vida.
E havia vida! Cheira vida! O caminho não havia chego à metade, mas uma metade podre, que cheirava morte, chegou ao meio do caminho. Um ser iluminado de escuridão ao chegar encontrou a porta fechada. E não entendeu o recado, quando a porta está fechada, não é para entrar. Mas profetizou que quando a porta abrisse quem fechou pagaria. E às vezes o preço que se paga é tão alto. Quem tem fé paga pelos pecados!
E o homem, se bem que só vale apena chamá-lo de homem pela sua espécie. Não há nada de ser humano em sua alma. Não há civilização. Somente ódio, rancor, soberba, superioridade! Ah, como é burra a superioridade. Nunca passará disso. E o Homem superior, adentrou a porta, que mesmo aberta para ele, permanecia fechada, em espírito. E ali, destruiu o futuro. Rompeu um ciclo. E junto levou tudo que se adquiri com a convivência. Levou, quebrou, acabou...
E não importa com o que acabou se era importante ou não. Ninguém tem o direito de acabar nada, somente, o fim. O ciclo natural já tem um final, não é justo acelerar. Mas o pobre sujeito serrou os punhos, afiou a língua e agrediu o trabalhador, o sonhador. Por um pirulito. Na historia real o motivo é tão besta quanto agredir alguém por um pirulito. Só porque o pirulito que ele vinha buscar é premiado. É o dinheiro compra tudo, até o fim. E assim foi...
Os amigos continuaram sendo amigos, mas agora mais longe. O ambiente de trabalho não será mais o mesmo, como será vender pirulito sem ele. Para aqueles que o conhece há pouco tempo, ficou o gostinho de poderia ter mais, para os que o tem há muito tempo, ficou um imenso vão, imenso vazio, imensa solidão.
A agressão foi na vida, não somente do jovem trabalhador, sonhador. E sim, nos amigos, conhecidos, nos possíveis conhecidos, nos desconhecidos... A agressão matou mesmo ainda tendo vida. E o agressor continua a ser superior. Nós preferimos a continuar a aprender.
A agressão pode acabar com um sonho, mas não impende o sonhador de sonhar!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Lembranças de uma viagem!

Por Danilo Quintal
Foto: Acervo pessoal

Domingo, 14 horas, o sol presente e eficiente é o dono no clima, no lugar onde a beleza é pleonasmo! Se Deus desenhou todos os lugares, a maior obra da divindade foi o Rio de Janeiro. Ah, o Rio de Janeiro...
A terra dos fluminenses, que na verdade são todos cariocas, dos turistas, dos hostels, do mar. E que mar... Se Iemanjá tem um lar, deve ser por lá. Terra de Cristo de braços abertos, às vezes e, só às vezes mesmo, o cristo de olho de lágrimas pelos assaltos, duelos, criminalidade. Mas em seu maior tempo, o Cristo que brilha durante a noite e sorri ao dia, pois a parcela podre é minoria, acreditem!
O carioca não é folgado, pelo contrário, é charmoso e bem humorado... O Rio não é cem por cento violência e barbaridade, ao contrário, é quase todo alegria inexplicável. Para entender o porquê da maioria dos grandes nomes do Brasil surgirem de lá ou optarem por lá ficar, só existe uma maneira, indo lá e conhecer.
E quem me dera que as lapas brasileiras fossem cariocas. E principalmente, que todo entardecer fosse no Rio de Janeiro. Ah, quem me dera...
E todo clássico fosse Fla-Flu, e o porquê alguém a de me perguntar? Porque o Fla-Flu tem magia, tem o pó de arroz, tem a maior nação, tem o charme único e incomum, tem história e continua a contá-la.
Como a conversa de um mineiro e paulista indo ao jogo Fla-Flu:
- Uai gente, que coisa doida! – Espantado, expressa o mineiro.
- O que foi, mano? – Intrigado, responde o paulista.
- Moço, torcida do Mengo e do Flu juntas, no mesmo vagão de trem, que coisa maluca, meu Deus!
- Mano, na boa, eu nunca tinha visto isso também... Cara é emocionante!

Ao descer em direção ao estádio...

- Caralho, meu, isso é muito foda. Torcedores do Flu passando pelos do Fla com naturalidade. Eu nunca tinha visto, isso só existe aqui. É um clássico, moço! Isso é de outro planeta. – Diz o mineiro coçando a cabeça e com um sorriso no rosto.
- Na verdade, isso é a coisa normal. O quê se vive hoje é uma anormalidade, pois os torcedores não poderem pegar o mesmo trem porque torcem por equipes diferentes é inaceitável. A coisa está em tal estado que estamos impressionados com algo que deveria ser normal. – Relata o paulista indignado e um pouco acelerado.
- Porra, velho, é mesmo, isso deveria ser a coisa mais normal do mundo. Se eu falar pro meu pai ele não acredita!
- Ninguém irá acreditar, mas vamos, vai começar o jogo!
- Vamos ver o meu Mengão...


E nesse ritmo de Fla-Flu cheio de festa, gols, pó de arroz, virada espetacular, canções inesquecíveis. E em algum lugar no céu, Mário filho sorria de alegria enquanto Nelson Rodrigues suspirava a dor tricolor e mais uma vez se rendia ao mando rubro-negro.

Emoção para dois, alegria para um e, tristeza para outros. Ao fim do espetáculo, as cortinas abaixaram, mas o show ainda estava por vir, os trens carregados de flamenguistas e tricolores. Juntos, misturados e com apenas uma diferença: a cor da camisa. E assim, magnificamente desse jeito, fui despedindo-me do Rio de Janeiro, já com saudades dá terra da gente bronzeada, do sotaque inconfundível, da praia, da lapa, do calçadão, do futevôlei... E de repente dormir! E, ao acordar, um pesadelo, estresse e trânsito na capital paulista.
Pecado!

Pecado mesmo é repousar ao som do samba carioca e acordar com as buzinas no transito paulista! Porque cá entre nós, o Brasil deveria ser carioca!