Seu Rabugento, um senhor de bigode completo, olhos fundos,
daqueles que as olheiras não saem e o qual você aposta que o sono não vem. Mais
o menos assim, dormi pouco, mas come muito. Daí vem à barriga que dá gosto.
Ainda mais, no 1,68 cm, do velhote sabichão. A boina com o brasão da lusa
demonstra as raízes. A camisa social com o colete, a calça social com a bota de
camurça, o lenço no bolso e olhar furioso. De todas as características e
detalhes a rabugentisse do aposentado é
de encher alguns olhos e arranca lágrimas de outros.
A cada dois passos pelas ruas de Santana uma
erguida nas calças. A cada esquina atingida, uma saudação e uma resposta
atravessada:
- Bom dia “Seu Rabugento”. Diz o Manoel do açougue.
- Bom d... Quase um surro responde o velhote.
- Já tá acordado? Há essas horas.
- Não Manoel. Eu sou sonambulo, ora! Emendou com
delicadeza.
E assim, como um cachorro vira-lata, em cada rua uma
surpresa, uma farpa, um caso com a rabugice. Só que aqui a briga não é por
comida é pela tolerância que não existe.
Seu Rabugento adentra a banca de jornal com uma enorme
saudade de ler aquele monte de letras em tinta. Ricardo o jornaleiro todo
atencioso, aborda o aposentado.
- Bom dia, Seu Rabugento, vai levar umas cruzadinhas? Ou um
caça-palavras hoje?
- Quero um jornal.
- De quando?
- Ora essa, filho de uma... De hoje, ora.
- Calma, Seu Rabugento. Os jornais acabarão hoje, tem
gente comprando o de ontem para guardar.
- Como assim, gajo?
- Acabando...
-Acabando, igual sua mãe acabou ao parir esse cabeção. Dá
logo o de hoje mesmo.
O Rabugento paga pelo jornal
e o jornaleiro faz sinal com as mãos de escorraço, para o velhote ir logo. Ele vai,
adentra a praça, mal cumprimenta os amigos aposentado. Abre o jornal e a
primeira notícia é:
“Amanhã não haverá mais
jornal.
Fim dos jornais impressos: A tecnologia ganha do papel.
O tradicional perde para a modernidade. Tecnólogos desenvolvem E-book com cheiro de tinta, barulho das páginas amaçando ao troca-las e atalho para recortar e guarda reportagem de recordação.”
Fim dos jornais impressos: A tecnologia ganha do papel.
O tradicional perde para a modernidade. Tecnólogos desenvolvem E-book com cheiro de tinta, barulho das páginas amaçando ao troca-las e atalho para recortar e guarda reportagem de recordação.”
- Tolice, ora, ora, ora. Até
o sinal sumir, o aparelho travar e isso tudo se um dia o pobre puder comprar.
Esbraveja o velhote vermelho de tão furioso.
Vai à página de negócio e
logo toma um justo: “Governo privatiza o próprio governo”.
- Ora, mas eles só avisaram
isso agora? Um dia antes de não ter mais notícia, esses passarinhos.
Na parte de empregos: “Homem
procura: uma mulher com dois filhos, para dar entrada à bolsa família”.
-Vagabundo é o que mais tem.
Esse povo da estrela não fiscaliza nada. Expressa ao levantar as mãos para o céu.
No editorial de política: “Eleições
ano X: Madame General versus O Vampiro.”
- Quem ficará com a
maior fatia do bolo: A falsa esquerda ou o pássaro vendedor. Aí não importa o
FMI e o Banco Central no fim agradecem. Ora, ora, ora. Resmunga o velhote.
Ultima página do jornal: “Obrigado
por dividir esses longos anos com a gente e tantas verdades e notícias
imparciais.”.
O Rabugento caí na
gargalhada joga o jornal pra cima e diz:
-Com esse final. Sabia que
era piada. Imparcial? Verdade? Aí, aí, aí o que papai Antônio diria, ora, pois. Amanhã cedo compro outro jornal.
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