São Medo
O fim do dia está sombrio e há
dias tem sido assim. Já passa das oito horas da noite e o vento faz a trilha
sonora. Na rua Dr. Araújo de Castro
alguma energia maligna parece tornar o clima igual aos filmes de terror.
Na casa número 38 Seu Alberto
corre para o telefone e quase tocando um piano disca para a filha Yara:
- Filha onde você está? Com uma
voz totalmente desesperada.
- Saindo da faculdade, por quê?
- Estou indo para o metrô te
buscar no caminho te explico! Determina o pai com a voz totalmente autoritária.
- Sim senhor. Obedece a menina
com respeito abundante.
Os dois
se despedem e parte o pai ao encontro da filha. Mas aquela não era a única casa
com anomalias na rua, na casa número 152 Maria chama o primogênito Eduardo para
acompanha-la até o ponto de ônibus buscar a filha:
- Dudu,
vamos que Raissa deve estar chegando!
- Vamos
mãe.
Os dois
partem de braços dados. A cada barulho o medo era evidente no rosto dos dois, a
cada moto que passava rezavam o último “Pai Nosso”. Pareciam duas presas que a qualquer momento seriam
devorados. E o caminhar de dois quarteirões
parecia a Via Crucis. Enfim, chegam ao ponto de encontro, cinco minutos de
espera que pareceram 50 até chegada da esperada:
- Mãe.
Diz sorrindo Raissa.
- Oh,
minha filha, vamos se embora e depressa. Com alegria e preocupação ao mesmo
tempo.
Em casa
todos como numa sinfonia transbordam o alivio:
-
Graças a Deus. Em sinal de fé e de segurança no plano divino.
Na casa
dos Montenegro uma discussão calorosa entre Marina e o seu pai tornam ainda
mais o cenário da rua Dr. Araújo de Castro tenso:
- Mas
Pai ela é a minha melhor amiga como não vou ao seu aniversário? Você não pode
fazer isso comigo! Aos berros e lágrimas.
- Não
vai porque está perigoso lá fora! Bate o martelo e esmaga o coração da filha.
- Vou
perder minha amiga. Ela não vai me perdoar. Lamenta Marina sem força para
revidar.
-
Melhor perder a amiga do que a vida. São as últimas palavras do pai antes de
sair andando e bater a porta.
E em outras ruas, outros bairros, outras
situações de medo em noite frias ou quentes estão acontecendo. Esse é o cenário
das noites da cidade de São Paulo. O pai que busca a filha no metrô pelo toque
de recolher. A mãe que encontra a filha no ponto, pois na noite passada mataram
três garotos na rua de cima e o pai que proíbe a filha de ir à festa da melhor
amiga, por medo. Medo, medo e mais medo.
São
Paulo, ou melhor, São Medo.
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