Segunda-feira em São Paulo. O vento
forte traz a sensação de molhar o corpo ao tocá-lo. É o clima da noite
paulistana. Chego ao terminal rodoviário com 1 hora e meia de antecedência.
Sim, eu teria que ter paciência e ver os minutos pingando vagarosamente.
Ao transitar pelo saguão, o som de
piano e uma bela voz chamaram minha atenção como se cada toque e palavra
pronunciada fizessem um feitiço em mim. Segui aquele som. Uma mulher com cara
de menina tocava o piano com maestria. Era possível sentir cada dedo que tocava
em teclas. O piano dela cantava. Cada vez que uma nota era composta, os olhos
eram convidados a fecharem-se e o corpo sentia a música. Era uma menina mulher
que, na verdade, era um monstro no piano.
O Senhor que cantava era negro, magro
e baixo. Mas sua voz era gigante. Cantava cada letra, não deixava passar uma.
Ao cantar Ray Charles era um rei. Ao cantar Imagine, dos The Beatles, era
possível imaginar John Lennon o admirando. Cantava como ninguém. Era uma bela
dupla que por quase uma hora antederam pedidos, foram aplaudidos e filmados. E,
no fim, estavam ali por acaso. Um não conhecia o outro. E ninguém soube o nome
deles.
Foram famosos sem ter nomes. Mas
cantaram e encantaram todos que passavam rumo a algum lugar. Ao fim da
belíssima apresentação, um grande amigo que me acompanharia a uma viagem para o
lançamento do meu primeiro livro indagou-me a questão. Será que eles não são
frustrados por não serem famosos?
Inegavelmente, tinham talento
absurdo, tão absurdo que ao ver certas celebridades, era impossível não ficar
indignado. Mas o sorriso da menina ao tocar e a satisfação nítida naquele
sorriso branco que se ressaltava ao contraste da pele negra, fizeram-me
replicar a pergunta: Será que a fama os fariam cantar e tocar com tanto gosto?
Questões jogadas ao vento e
certamente sem resposta.
Chegado o horário da viagem e esses
pensamentos dominariam as seis horas e meia de viagem que ocorreu durante a
madrugada. Não dormi um segundo sequer. Não deixei de sonhar um milésimo. Com
um lançamento cheio de pessoas, vários autógrafos, algumas entrevistas. E a
fama.
Três dias se passaram, o lançamento
do livro foi bem legal. Sim, demos uma entrevista, mas eu tenho agonia e odeio
me ver na televisão. Poucas pessoas compareceram ao lançamento. No dia seguinte
andei tranquilamente pela Avenida Atlântica, em Copacabana. Caminhei à
beira-mar por toda praia de Copacabana com conversas irreveláveis com um grande
amigo. Dei risadas intermináveis com outro amigo que é disparado um irmão. E a
fama não me fez falta.
Na verdade, como os dois artistas do
saguão da rodoviária, eu só quero ser feliz. Quero que alguém leia meus textos.
E apenas lembre-se do meu texto, não do meu nome. Pois ser celebridade,
não. Apenas um escritor.